Como eu consegui meu primeiro trabalho remoto para o exterior
Vinicius Dacal
Posted on May 28, 2020
publicado originalmente em viniciusdacal.com
Quem não gostaria de trabalhar remoto para o exterior e ainda aproveitar o valor do dólar para ter um salário maior? Isso não está tão longe quanto você imagina.
Por essa razão, eu decidi compartilhar a história de como eu consegui meu primeiro trabalho remoto para o exterior. Vou compartilhar o que me motivou a buscar uma vaga remota, quais foram os obstáculos e desafios que encontrei, quais foram as lições que aprendi e também vou contar como foram os primeiros dias na nova empresa.
Eu trabalhava em Joinville em uma Software House, havia cerca de dois anos. Eu decidi que era hora de buscar novos horizontes para minha carreira. Uma nova empresa, um novo projeto, coisas que me desafiassem mais. Ao mesmo tempo, eu não tinha interesse em me mudar para outra cidade ou outro país.
Um amigo meu já estava trabalhando remoto há alguns meses para uma empresa da Inglaterra, então eu já conhecia essa modalidade e decidi pesquisar mais a fundo.
Eu chamei esse meu amigo para trocar uma ideia e saber como estava funcionando o trabalho remoto para ele e também para tirar algumas dúvidas básicas, como saber se era seguro, se as empresas pagavam em dia, quais eram as faixas salariais, como eram as expectativas e etc…
Isso me ajudou muito! Nós sempre ouvimos que uma pessoa ou outra está trabalhando remoto, mas é bem diferente quando é um amigo seu, uma pessoa que você confia. Você sabe que se ele está falando, é porque é realmente daquela forma.
Depois que eu tirei minhas dúvidas, eu comecei a pesquisar as vagas que havia no mercado e que se encaixavam no meu perfil. Eu utilizei alguns sites que ele me indicou e também acabei encontrando alguns outros. A partir das vagas que encontrei, comecei a enviar meu currículo.
Normalmente, o que acontece quando você está aplicando para vagas, é que primeiro você envia um currículo em um lugar, no outro dia não recebe resposta e envia para mais dois, não tem resposta e dispara para mais três, e dispara para vários. Quando você começa a obter resposta, vem uma enxurrada de emails para você responder e reunião para você marcar e daí você acaba se atropelando.
Isso aconteceu comigo! No meio desse processo eu acabei perdendo uma reunião porque eu achei que era em um horário e acabou que era em outro. Faltou um pouco de organização da minha parte naquela época.
Eu lembro que nessa época, eu estava de férias na praia com a minha esposa, quando eu obtive uma das primeiras respostas entre os lugares que eu apliquei. O cara estava bem ansioso, eu lembro que era um sábado e ele queria falar comigo naquele dia mesmo. Ele era lá dos Estados unidos e eu até expliquei que a internet na praia não funcionava muito bem e se poderíamos agendar para outro dia. Mas ele estava com pressa e disse que não tinha problema se a ligação ficasse ruim.
Ele me ligou e começamos a conversar. Ele demonstrou muito interesse e perguntou sobre a minha experiência e nós começamos a trocar uma ideia. Inclusive, ele era brasileiro. Era um brasileiro que tinha uma empresa nos Estados Unidos, e conforme estava me contando, ele tinha uns clientes grandes.
Conforme fomos conversando, ele chegou a comentar que no início havia a possibilidade de eu trabalhar 4 horas por dia se quisesse. Mas logo em seguida veio o que eu considerei como o primeiro “alerta vermelho”. Ele me falou em um tom um tanto quanto rígido.
“Olha, se você quiser pode trabalhar 4h, mas não vem usar como desculpa que você trabalha durante o dia pra você vir render menos durante essas 4 horas”
Tem coisas que eu considero que não há necessidade de ser falado em uma entrevista. E mesmo assim, se for falado, há inúmeras maneiras de falar. O tom que ele usou soou no mínimo intimidador e não acredito que é esse o tipo de tom que deve ser usado quando está entrevistando alguém.
Depois disso, nós ainda continuamos conversando e aí veio o segundo alerta vermelho. Ele disse:
“Fala pra mim quanto que você está ganhando hoje. Porque assim, você vai trabalhar como PJ e a gente sabe que PJ tem que pagar um pouco a mais. Mas não vem achando que a gente vai te pagar o que a gente pagaria para um americano. Porque se for pra te contratar pra pagar a mesma coisa, eu pago para um americano”
Minha vida inteira eu aprendi a ser educado e tentar manter a calma a todo custo, mesmo quando a pessoa te desrespeita. E também, na época eu era mais ingênuo, mas a vida vai ensinando a gente.
Na época eu continuei conversando, não com muito interesse da minha parte. Mas acho que se fosse hoje eu não perderia a oportunidade de falar:
“Se for pra trabalhar para uma empresa americana e ganhar o mesmo tanto, eu trabalho para uma empresa brasileira, sem problema nenhum”.
Porque é importante que a gente saiba se valorizar também.
Na época eu disse que eu ganhava até mais do que eu realmente ganhava, porque eu já queria que saísse do orçamento do cara, pra que ele nem entrasse em contato comigo. E pra minha sorte isso funcionou, ele nunca mais respondeu e eu confesso que fiquei aliviado.
Porém, no que eu desliguei o telefone, bateu um sentimento muito ruim. Aquela conversa foi como um balde de água fria em cima de mim. Aquilo acabou reforçando algumas crenças limitantes que acumulamos ao longo da vida:
“Eles não vão querer pagar um salário justo porque eu sou Brasileiro”
“Porque eu sou Brasileiro os caras vão me desvalorizar”
Eu não sofria de síndrome de vira-lata, mas quando você recebe esse tipo de feedback numa entrevista de emprego, é bem difícil se blindar desse sentimento. Mesmo que você não tenha isso, você acaba sentindo um pouco disso na hora.
Me desanimei muito depois dessa entrevista e passou pela minha cabeça desistir. Mas no fim, com apoio eu decidi continuar e persistir. Eu pensei comigo: “Uma hora vai aparecer uma oportunidade boa e eu vou encontrar alguma coisa legal”.
Eu continuei buscando vagas, até que a minha esposa, também pesquisando as vagas, encontrou uma vaga que se encaixava no meu perfil. Ela mandou a vaga pra mim e disse:
“Olha só que interessante: isso que eles estão pedindo, não é o que você tem experiência? E essa vaga ainda fala que é uma empresa do Bill Gates”
Aí eu fui ler a descrição e era como se a vaga tivesse sido descrita para mim. Eles pediam experiência em Javascript, React, Redux, AngularJS e um ponto importante da vaga, é que a pessoa tivesse tido a experiência de migrar gradualmente uma aplicação de AngularJS para React e Redux.
Eu tinha exatamente essa experiência! Era impossível não achar que a vaga era para mim.
A vaga pedia que você respondesse dez perguntas e enviasse no e-mail deles junto com um currículo.
Então eu parei e tirei o tempo necessário para responder as perguntas. Eu sabia que levaria um tempo, porque eu tenho problema com overthinking, e sempre que eu preciso responder uma pergunta, mesmo que seja simples, eu fico pensando na melhor maneira de escrever e em como a pessoa irá interpretar e isso me consome bastante tempo.
Mas eu tirei o devido tempo e me dediquei a responder todas as perguntas.
É importante ressaltar que se na descrição de uma vaga ela está falando a forma como você deve aplicar, é importante que você siga a risca essas instruções, porque esse é seu primeiro teste.
Eu garanto que houve pessoas, que na pressa de aplicar para várias vagas, enviou apenas o currículo pelo e-mail, sem as respostas, na esperança que fosse receber um retorno.
Isso acontece porque você quer ganhar na quantidade, você acredita que na quantidade é que você vai conseguir o emprego.
Você tem que disparar para todos os lados para conseguir uma entrevista. Mas a realidade é que isso não funciona!
Tire o tempo adequado para aplicar para cada vaga, porque não é na quantidade que você vai ganhar, e sim na qualidade da sua aplicação.
Quanto as perguntas que eles tinham me feito: Eles pediam que eu descrevesse alguns projetos que eu havia trabalhado, algumas coisas sobre conhecimento de tecnologia, mas não chegavam a ser muito técnicas. Além dessas perguntas, eles também pediam a sua expectativa salarial.
Diferente da outra entrevista que o cara queria saber o quanto eu ganhava, essa empresa já perguntava o quanto eu gostaria de ganhar.
Eles também perguntavam quanto tempo de aviso-prévio eu teria que cumprir.
Passou pouco tempo após eu aplicar para a tal vaga e então eu obtive uma resposta. Junto com essa resposta, eles me mandaram mais algumas perguntas. Eu respondi novamente e logo em seguida eu recebi um e-mail do Team Lead para marcarmos uma entrevista.
Essa entrevista foi muito legal! Provavelmente a melhor que tive até hoje. Ele começou me contando a história dele, como ele iniciou com desenvolvimento de software e ciências da computação, trajetória dele dentro da empresa e também me falou um pouco sobre a própria empresa. Depois ele pediu que eu contasse a minha história e minha trajetória profissional.
Foi praticamente uma conversa entre dois amigos.
No final ele disse que gostou do meu perfil, achava que nós tínhamos bastante coisa em comum e acreditava que eu seria um bom candidato para ocupar aquela vaga. Porém, não era ele quem tinha o poder de decisão, então ele entraria em contato com o diretor dele falando sobre mim, mas que antes que eu conversasse com o diretor, eu precisaria fazer um teste técnico, que ele me enviaria dentro de dois dias.
Nós terminamos nossa entrevista e cerca de duas horas depois eu recebi um e-mail do diretor. Dizendo que o *Team Lea*d tinha dito ótimas coisas sobre mim e que ele (o diretor), tinha ficado bem interessado e gostaria de conversar comigo antes mesmo de fazer o teste técnico.
Um ou dois dias depois nós fizemos a entrevista. Novamente, tivemos uma conversa muito legal, ele é uma pessoa incrível e me falou mais sobre a vaga e também sobre a empresa.
Acho importante ressaltar que eu tive um pouco de dificuldade com o inglês dele. O inglês do Team Lead era mais fácil de entender. Ele é romeno, mas o inglês se assemelha um pouco com o americano, com mais pausas e também pronunciando as palavras de maneira clara. O inglês do diretor era britânico, um sotaque bem forte e ele falava muito rápido. Então houve alguma coisa ou outra que eu acabei perdendo na conversa, e eu também tinha vergonha de pedir para repetir. Eu me lembro que ele explicou como funcionavam as férias e eu acabei não entendendo. Eu só fui descobrir uns 2 meses depois quando perguntei para um amigo.
Mas no final, eu acabei me saindo bem na entrevista, ele disse que gostou do meu perfil e que me enviariam o teste técnico para eu fazer.
O teste consistia em implementar um projeto com uma feature de chat, seguindo a descrição de um ticket do projeto deles. Só para entender se eu conseguiria respeitar a descrição de um ticket e se eu realmente sabia trabalhar com as tecnologias que eu disse que sabia.
Eu lembro que a semana que eu estava fazendo o teste foi uma semana bem difícil. Eu comecei a ter um problema de ressecamento nos olhos, eles ardiam muito e inchavam.
Minhas férias já tinham acabado, então eu trabalhava durante o dia e fazia o teste a noite. Eu estava passando várias horas na frente do monitor e o problema só estava piorando. Me lembro de acordar um dia e um dos meus olhos estar completamente fechado por causa do inchaço. Mas eu queria muito aquela vaga e no final eu consegui concluir o teste.
Em menos de 24 horas que eu enviei o teste eles já me deram uma resposta dizendo que a vaga era minha. E para minha surpresa, o valor que eles me ofereceram no salário, era ainda maior do que o que eu havia pedido. E daí você vê a diferença: Enquanto algumas empresas e pessoas estão buscando somente te explorar, outras tendem a ser justas.
Nesse caso, provavelmente ele estava me oferecendo o orçamento que eles tinham para aquela vaga. O orçamento era X, então não tinha por que ele me pagar menos, apenas porque eu havia pedido menos.
Quando eu recebi esse e-mail, tive um misto de emoções, porque ao mesmo tempo que eu fiquei muito feliz, eu também fiquei preocupado porque eu tinha que pedir demissão.
Pedir demissão é algo desconfortável, principalmente se é uma empresa que você gosta e se dá bem com o seu time.
Mas no final deu tudo certo e a conversa foi muito melhor do que eu esperava.
Eu cumpri o aviso de 30 dias e comecei a trabalhar na nova empresa.
Eu me lembro que a primeira semana foi bem corrida. Tanto porque eu tinha que começar a trabalhar mais cedo do que meu horário normal, pelo menos nesse período até eu me acostumar na nova empresa. Eles pediram isso para que eu pudesse passar mais tempo online, enquanto o time da Europa também estava online.
Eu acordava às 4h da manhã e isso acabou me atrapalhando um pouco, mas nada que eu não pudesse resolver. No primeiro dia eu passei em reunião o dia todo, conhecendo os integrantes do time e cada um passava um tempo me explicando sobre o sistema e sobre a arquitetura em si.
Muita coisa deu errado! Minha internet parou de funcionar e eu precisei ir até outro lugar para poder acessar a internet e instalar o ambiente de desenvolvimento no meu computador e eu também lembro que na daily meeting do scrum eu não estava entendendo nada.
Por mais que eu achasse que meu inglês estivesse bom, que eu conseguisse entender o inglês americano e conseguisse me comunicar com os outros, é difícil algo te preparar para entrar em uma reunião com 10 sotaques diferentes, falando sobre uma aplicação que você não conhece e não tem afinidade nenhuma. Claro, eu me senti uma fraude.
No final do dia, eu fiquei me perguntando por que eu tinha feito aquilo comigo mesmo. Por que que eu fui atrás de outra vaga, de outra empresa. Por que que eu saí de onde eu estava bem para ir buscar algo incerto. A síndrome do impostor bateu muito forte!
Porém, naquele momento eu não havia mais como voltar atrás. O único caminho, a única direção que eu tinha para seguir, era em frente.
Então eu continuei e decidi me dedicar ao máximo! Até buscar formas que eu pudesse me acostumar mais com os sotaques. E também buscar formas de entender melhor a aplicação para saber do que eles falavam nas reuniões.
Cada dia que passou eu fui me acostumando e me sentindo mais confiante. Em questão de uma semana, eu estava muito melhor. Conseguindo entender meus colegas mais facilmente, entregando minhas tarefas com uma boa produtividade.
Eu lembro que na primeira reunião de Feedback que tivemos, eu perguntei se eu já poderia trabalhar no meu horário normal, começando as 08:30, se meu líder achava que eu já sabia o suficiente para começar nesse horário. Ele confirmou que eu poderia e também me disse que eles estavam surpresos com o desempenho que eu estava tendo dentro da aplicação e que eu provavelmente era a pessoa que conseguiu pegar a aplicação mais rápido. Do tempo que eu entrei na empresa até o nível de produtividade que eu cheguei, eu era o que tinha conseguido fazer isso mais rápido na história do time.
Naquele exato momento, eu olhei para trás e vi que a decisão que eu tinha tomado, de sair do meu conforto, de enfrentar novos desafios, que eram enormes para mim naquela época. Eu vi que eu tinha tomado as decisões corretas!
Eu espero que essa história ajude ou inspire você que está buscando seu primeiro emprego remoto. Que mostre que mesmo com as dificuldades, é possível alcançar os seus objetivos.
Não pare no primeiro obstáculo e também não deixe ninguém vim “cagar na sua cabeça”, te subjugar e te explorar.
Existem as empresas ruins, mas também há muitas empresas boas e justas, que te tratará com o respeito que você merece como profissional e pessoa.
Só lembrando, que é muito importante você buscar uma empresa que valorize esses dois lados, tanto seu lado profissional quanto seu lado pessoal. Que valorize o equilíbrio entre essas duas partes.
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Posted on May 28, 2020
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