Elton Minetto
Posted on November 8, 2022
Aposto que nesse momento uma frase paira na sua cabeça:
"Mais uma linguagem de programação"?
Calma, calma, vem comigo que vai fazer sentido :)
Diferente de outras linguagens como Go ou Rust, que são de "propósito geral", a CUE pussui alguns propósitos bem específicos. O seu nome na verdade é uma sigla que significa "Configure Unify Execute" e segundo a documentação oficial:
Embora a linguagem não seja uma linguagem de programação de uso geral, ela possui muitas aplicações, como validação e modelagem de dados, configuração, consulta, geração de código e até script.
Ela é descrita como um "superset de JSON" e fortemente inspirada em Go. Ou como eu gosto de pensar:
"imagine que Go e JSON tiveram um tórrido romançe e o fruto dessa união foi CUE" :D
Neste post eu vou apresentar dois cenários onde a linguagem pode ser usada, mas a documentação oficial tem mais exemplos e uma boa quantia de informação importante a ser consultada.
Validando dados
O primeiro cenário onde CUE se destaca é na validação de dados. Ela possui suporte nativo para validar YAML, JSON, Protobuf, entre outros.
Vou usar como case alguns exemplos de arquivos de configuração do projeto Traefik, um API Gateway.
O YAML a seguir define uma rota válida para o Traefik:
apiVersion: traefik.containo.us/v1alpha1
kind: IngressRoute
metadata:
name: simpleingressroute
namespace: default
spec:
entryPoints:
- web
routes:
- match: Host(`your.example.com`) && PathPrefix(`/notls`)
kind: Rule
services:
- name: whoami
port: 80
Com essa informação é possível definirmos uma nova rota no API Gateway, mas se algo estiver errado podemos causar alguns problemas. Por isso é importante termos uma forma fácil de detectarmos problemas em arquivos de configuração como esse. E é aí que a CUE mostra sua força.
O primeiro passo é termos a linguagem instalada na máquina. Como estou usando macOS bastou executar o comando:
brew install cue-lang/tap/cue
Na documentação oficial é possível ver como fazer a instalação em outros sistemas operacionais.
Agora podemos usar o comando cue
para transformar esse YAML em um schema
da linguagem CUE:
cue import traefik-simple.yaml
É criado um arquivo chamado traefik-simple.cue
com o conteúdo:
apiVersion: "traefik.containo.us/v1alpha1"
kind: "IngressRoute"
metadata: {
name: "simpleingressroute"
namespace: "default"
}
spec: {
entryPoints: [
"web",
]
routes: [{
match: "Host(`your.example.com`) && PathPrefix(`/notls`)"
kind: "Rule"
services: [{
name: "whoami"
port: 80
}]
}]
}
Ele é uma tradução literal do YAML para CUE, mas vamos editá-lo para criarmos algumas regras de validação. O conteúdo final do traefik-simple.cue
ficou desta forma:
apiVersion: "traefik.containo.us/v1alpha1"
kind: "IngressRoute"
metadata: {
name: string
namespace: string
}
spec: {
entryPoints: [
"web",
]
routes: [{
match: string
kind: "Rule"
services: [{
name: string
port: >0 & <= 65535
}]
}]
}
Alguns dos itens ficaram exatamente iguais, como apiVersion: "traefik.containo.us/v1alpha1"
e kind: "IngressRoute"
. Isso significa que esses são os valores exatos que estão esperados em todos os arquivos que serão validados por esse schema
. Qualquer valor diferente destes vai ser considerado um erro. Outras informações foram alteradas, como:
metadata: {
name: string
namespace: string
}
Neste trecho definimos que o conteúdo do name
, por exemplo, pode ser qualquer string
válida. No trecho port: >0 & <= 65535
estamos fazendo uma validação importante ao definir que este campo só pode aceitar um número que seja maior do que 0 e menor ou igual a 65535.
Agora é possível validar se o conteúdo do YAML está de acordo com o schema
usando o comando:
cue vet traefik-simple.cue traefik-simple.yaml
Se tudo estiver correto nada é apresentado na linha de comando. Para demonstrar o funcionamento eu fiz uma alteração no traefik-simple.yaml
mudando o valor do port
para 0
. Ao executar o comando novamente é possível ver o erro:
cue vet traefik-simple.cue traefik-simple.yaml
spec.routes.0.services.0.port: invalid value 0 (out of bound >0):
./traefik-simple.cue:16:10
./traefik-simple.yaml:14:18
Se alterarmos algum dos valores esperados, como por exemplo kind: IngressRoute
para algo diferente, como kind: Ingressroute
o resultado é um erro de validação:
cue vet traefik-simple.cue traefik-simple.yaml
kind: conflicting values "IngressRoute" and "Ingressroute":
./traefik-simple.cue:2:13
./traefik-simple.yaml:2:8
Desta forma é muito fácil encontrar algum erro em uma configuração de rotas do Traefik. O mesmo pode ser aplicado para outros formatos como JSON, Protobuf, arquivos do Kubernetes, etc.
Vejo um cenário muito claro de uso desse poder de validação de dados: adicionar um passo em CI/CDs para usar CUE e validar configurações em tempo de build
, evitando problemas em deploy
e execução de aplicações. Outro cenário é adicionar os comandos em um hook
de Git, para validar as configurações ainda em ambiente de desenvolvimento.
Outra característica interessante da CUE é a possibilidade de criarmos packages
, que contém uma série de schemas
e que podem ser compartilhados entre projetos, da mesma forma que um package
de Go. Na documentação oficial é possível ver como user esse recurso, bem como usar alguns packages
nativos da linguagem, como strigs
, lists
, regex
etc. Vamos usar um package
no próximo exemplo.
Configurando aplicações
Outro cenário de uso da CUE é como linguagem de configuração de aplicações. Quem me conhece sabe que eu não tenho nenhum apreço por YAML (para dizer o mínimo) então qualquer outra opção chama minha atenção. Mas CUE tem algumas vantagens interessantes como:
- por ser baseado em JSON torna a leitura e escrita muito mais simples (opinião minha)
- resolve alguns problemas de JSON como a falta de comentários, o que é uma vantagem para YAML
- por ser uma linguagem completa, é possível usar
if
,loop
, pacotes embutidos na linguagem, herança de tipos, etc.
Para este exemplo o primeiro passo foi criar um pacote para armazenar nossa configuração. Para isso criei um diretório chamado config
e dentro dele um arquivo chamado config.cue
com o conteúdo:
package config
db: {
user: "db_user"
password: "password"
host: "127.0.0.1"
port: 3306
}
metric: {
host: "http://localhost"
port: 9091
}
langs: [
"pt_br",
"en",
"es",
]
O próximo passo foi criar a aplicação que faz a leitura da configuração:
package main
import (
"fmt"
"cuelang.org/go/cue"
"cuelang.org/go/cue/load"
)
type Config struct {
DB struct {
User string
Password string
Host string
Port int
}
Metric struct {
Host string
Port int
}
Langs []string
}
// LoadConfig loads the Cue config files, starting in the dirname directory.
func LoadConfig(dirname string) (*Config, error) {
cueConfig := &load.Config{
Dir: dirname,
}
buildInstances := load.Instances([]string{}, cueConfig)
runtimeInstances := cue.Build(buildInstances)
instance := runtimeInstances[0]
var config Config
err := instance.Value().Decode(&config)
if err != nil {
return nil, err
}
return &config, nil
}
func main() {
c, err := LoadConfig("config/")
if err != nil {
panic("error reading config")
}
//a struct foi preenchida com os valores
fmt.Println(c.DB.Host)
}
Uma vantagem do conceito de package
da CUE é que podemos quebrar a nossa configuração em arquivos menores, cada um com sua funcionalidade. Por exemplo, dentro do diretório config
eu dividi o config.cue
em arquivos distintos:
config/db.cue
package config
db: {
user: "db_user"
password: "password"
host: "127.0.0.1"
port: 3306
}
config/metric.cue
package config
metric: {
host: "http://localhost"
port: 9091
}
config/lang.cue
package config
langs: [
"pt_br",
"en",
"es",
]
E não foi necessário alterar nada no arquivo main.go
para que as configurações sejam carregadas. Com isso podemos ter uma separação melhor dos conteúdos das configurações, sem impacto no código da aplicação.
Conclusão
Neste post eu apenas "arranhei a superfície" do que é possível fazer com a CUE. Ela vem chamando atenção e sendo adotada em projetos importantes como o Istio, que usa para gerar schemes
OpenAPI e CRDs para Kubernetes, e o Dagger. Me parece uma ferramenta que pode ser muito útil para uma série de projetos, em especial devido ao seu poder de validação de dados. E como um substituto para YAML, para minha alegria pessoal :D
Publicado originalmente em https://eltonminetto.dev no dia 08/11/2022.
Posted on November 8, 2022
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