Davis Peixoto
Posted on March 8, 2022
Fala pessoal. Ao fim de quatro semanas de mentoria, com uma média de duas sessões por dia, com uma hora de duração cada uma, este foi o tema mais abordado nas sessões. Não que ele tenha sido a discussão principal, mas independentemente se eram iniciantes ou até mesmo pessoas que estão na área há alguns anos, este tema surgia.
Considero ele o mais importante a ser discutido aqui por uma série de razões. Primeiro pela abrangência de público. Segundo porque ele é um tema sempre deixado como uma preocupação secundária - ou mesmo terciária. Em terceiro porque as enorme maioria das pessoas não faz idéia do rombo educacional onde estão metidas e eu me sinto na necessidade pde alertá-los sobre o isso. Se você não fala inglês, por favor, leia até o final. Isto é importante para você.
Como instrutor de programação eu cuidava do módulo que recepcionava os entrantes num longo curso, de quatro módulos de 13 semanas cada. Uma boa porcentagem dos entrantes a cada turma (algo perto de 30%) tinha um plano claro para suas carreiras: aprender uma determinada linguagem de programação ou framework e ir trabalhar no exterior. Sonhavam acordados em ganhar em dólar ou euro. Até mesmo morar em outro país, por que não?
Quem foi meu aluno sabe que, além de ter o mesmo carisma de um rolo de arame farpado, eu não moderava a sinceridade, que diariamente distribuía em doses veterinárias. Uma pergunta que eu ouvi em todas as turmas - e ainda escuto - foi:
O que preciso aprender para ir trabalhar no Canadá?
Cuja resposta era sempre:
Português. Comece por aí. Sem isso você não consegue aprender inglês. E sem inglês, você não tem um plano, tem um sonho.
E assim, com a sutileza de uma marretada eu tirava as pessoas da sensação gostosinha de sonhar acordadas e colocava seus respectivos pezinhos mais perto do chão do mundo real. Vale mencionar que de todos os mais de mil alunos que tive, apenas uma pequena fração falava inglês. Menos de ciquenta com certeza. Arrisco a dizer que menos de vinte e cinco. Das mais de quarenta sessões de mentoria que fiz nas últimas semanas apenas uma única pessoa falava inglês.
O mais interessante é que é um fenômeno com duas causas. Primeiro, porque as pessoas acham que não precisam de inglês, porque vão achar tradução de tudo o que forem precisar. Elas perguntam se precisa saber inglês esperando a resposta "Não, não precisa. Hoje em dia tem tudo o que você irá precisar bem organizado e traduzido para você."
Segundo é a aversão que as pessoas tem de ter que aprender mais uma coisa. É uma verdade dura de se engolir e feia de se encarar, mas essa preguiça é muito ruim. Dava para ouvir o desânimo das pessoas ao ouvir isso. Sua postura mudava. Os ombros abaixavam sob o peso do fardo de ter que aprender mais uma coisa para conseguir o que queriam.
Aqui vale uma observação. Todo mundo muito antes de começar a estudar programação ouve dizer e repete o mantra de que é uma área que exige estudos de forma contínua. Você sempre vai precisar continuar estudando. A postura ao saber que irão precisar de mais uma coisa, ao meu ver, tem um peso grande demais para quem sabe que vai passar os próximos dez, quinze, vinte, vinte e cinco anos estudando.
Não é necessário para conseguir o teu primeiro emprego. Mas é essencial para avançar na carreira. Você nunca vai se tornar senior se não aprender inglês.
Essa conclusão traz algum alento ainda que de forma temporária. E mostra que as pessoas dão importância ao inglês pelos motivos errados. A maioria das pessoas acha que só vai precisar do inglês se mudar para fora do país. É para isso que serve o inglês afinal - elas pensam. O inglês é importante não apenas para isso, mas tudo o que se publica, ainda mais na área de tecnologia, é publicado em inglês. Sem ele, você está fadado a ficar limitado a alguém ter se dado o trabalho de traduzir algo.
Sempre que uma tecnologia surge, ela passa uns bons anos apenas em inglês, até tomar volume e forma, adquirir relevância, importância, e aí, e somente aí quando já existem milhares de adeptos, é que alguém pode se dispor a traduzir o livro ou manual para o português.
Se você consome materiais apenas em português, você está com 5 anos de de defasagem
Não só isso. O teu universo é duas ordens de grandeza menor. Deu erro? Você lê, mas não sabe o que a mensagem de erro te diz. Note que os criadores da linguagem ou framework ainda tentaram te ajudar. Se você soubesse apenas ler, poderia ser uma questão de segundos para arrumar o problema. Você poderia pegar uma mensagem de erro e jogar no google e um mundo de soluções se descortinaria à tua frente. Por isso a afirmação de que você nunca será senior se não souber inglês.
Beber direto na fonte e ter um amplo leque de referência. Aprender inglês é muito mais sobre isso do que outra coisa.
Por último, as pessoas erram feio no cálculo de esforço. Aprender lógica de programação é muito mais fácil do que aprender inglês, mas a enorme maioria das pessoas acha que é justamente o contrário. Acham que vão levar um ano para aprender a programar e alguns poucos meses para aprender inglês.
Aprender inglês leva anos
Dá para aprender lógica de programação em algumas semanas. E programar bem em alguns meses. Mas uma nova língua exige muito mais. E não adianta aprender um pouquinho. Duas horinhas por semana, ou mesmo por dia. Você precisa viver uma língua. Trabalhar com ela. Pesquisar com ela. Ler as respostas das pesquisas com ela. Consultar todo o teu material de apoio nela. É essa exposição intensiva que vai fazer você aprender além de alguns verbinhos.
Não espere aprender tudo primeiro para depois pivotar para o inglês. Faça essa transição hoje mesmo. Como toda mudança, vai ser desconfortável. Vai gerar uma baita desconforto cognitivo. Tua cabeça precisa de reorientar. Os falsos cognatos vão te pegar. A tua produtividade vai cair e isso irá te assombrar por algumas semanas. Daqui a alguns anos você poderá estar surfando na onda de algum framework que ainda não tem tradução e está supervalorizado.
Até a próxima, pessoal.
Este artigo foi originalmente publicado no LinkedIn.
Posted on March 8, 2022
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