A verdadeira faixa salarial como dev nos EUA (ou o andar de baixo)
Bruno Silva
Posted on August 2, 2023
Esse é um tema que mexe muito comigo. A minha intenção é esclarecer um tópico um pouco turvo, que eu vejo muito sendo mal representado ou com informações muito superficiais. O Lucas Montano fez um ótimo vídeo sobre o tema. O que eu escrevo aqui é um complemento. Recomendo assistir o vídeo dele primeiro e depois voltar aqui.
A forma como eu descrevo é a sensação de ter chegado em um monumento ou ponto turístico para admirar, mas eu cheguei pelo lado de trás e entrei pela porta dos fundos. Fiquei admirado, sim. Mas depois de um tempo eu percebi que na verdade estava vendo o lado de trás do monumento, enquanto todo mundo conhece a perspectiva principal. Muitos nem sabem que esse lado de trás existe.
Calma que vai fazer sentido.
Eu e a minha esposa chegamos nos EUA em 2014, com uma mala contendo um monitor 24 polegadas e uma máquina de café espresso. Depois de um processo muito doido (que envolveu muita sorte), eu tinha recebido uma oferta para ser transferido para a matriz da empresa onde eu já trabalhava em São Paulo. Eu receberia o visto L1 e me mudaria para Kansas City, que fica bem no meio do mapa dos EUA continental.
Obviamente eu estava empolgadíssimo com a mudança. Hoje em dia existem milhares de histórias de pessoas que saíram do Brasil para trabalhar com tecnologia no exterior. Mas 10 anos atrás isso não era tão comum. Trabalho remoto, então, era coisa de ficção.
A minha história com essa empresa foi longa: depois de ter tido o green card negado uma vez, eu finalmente obtive a permissão para trabalhar, que é o documento que antecede a autorização de residência permanente. Depois de 6 anos na mesma empresa, no mesmo cargo, eu podia pensar em procurar outra oportunidade.
Foi só nesse momento que eu comecei a me interessar em faixas salariais e quanto as empresas estavam pagando na área de tecnologia. Foi um choque muito grande quando eu conversei com uma recrutadora, que me perguntou a pretensão salarial, e eu disse um valor que deixou ela surpresa.
Esse valor é muito abaixo do mercado. Não faz nem sentido. Vamos passar a sua pretensão salarial como tanto
Um pequeno parênteses com relação aos níveis: pelo menos aqui na minha região, pouquíssimas empresas têm um cargo "Junior Engineer". Basicamente a pessoa é desenvolvedor ou desenvolvedor sênior. Mas a maioria é sênior. Nas 3 empresas onde eu trabalhei nos últimos 10 anos, a divisão do time de dev sempre foi assim: 80%+ era sênior. O restante era "pleno", embora não exista termo equivalente aqui. Nenhum Júnior. Característica aqui da região.
Bom, foi a partir da conversa com aquela recrutadora que eu fui pesquisar mais sobre faixas salariais. Como eu disse no parágrafo inicial, esse foi o momento que eu consegui dar a volta no monumento para poder vê-lo de frente. E o que vem a seguir são as conclusões que eu consegui tirar desde aquele processo até hoje.
Meu primeiro salário como dev nos EUA (2014): $60k anual.
Já era abaixo da média na época. Existe um salário mínimo para contratação do visto H1B (o da loteria, muito comum na área tech). Acredito que a empresa na época quis equiparar a oferta L1 com ofertas H1B.
Esse é um ponto importante de frisar: muitas empresas abertamente oferecem salários abaixo do mercado para profissionais que dependem do visto, exatamente porque para um funcionário assim, é muito mais difícil sair da empresa.
Meu salário depois de 5 anos atuando como dev nos EUA (2019): $84k anual.
Aqui o meu salário era criminalmente baixíssimo para o meu tempo de experiência. Eu tocava projetos sozinho, liderava um time offshore. Mas vocês sabem como empresas são para dar aumento. Foi mais ou menos nessa época que eu quis sair dessa empresa (e tive que pagar uma multa cujo valor era maior que um carro 0km, mas essa história eu conto em outro post).
Depois de ir terrivelmente mal na primeira entrevista técnica (eu não me dei ao trabalho de me preparar, porque achava que não precisava), eu fui atrás de mais informações. Foi quando encontrei vários fóruns e repositórios de informações valiosas, como o subreddit CSCareerQuestions, que frequento até hoje. Também o perfil e o blog do Gergely Orosz, que fala muito sobre mercado de trabalho em tecnologia Europa-EUA. Conheci o levels.fyi, o Blind e o leetcode. Não vou me aprofundar muito nessas referências, mas é muito fácil de achar uma tonelada de informação sobre eleas.
Meu "salário total" como Senior Engineer na segunda empresa: ~$150k anual.
Eu uso o termo "salário total" (ou total compensation) para incluir o salário, ações e bônus anuais no mesmo pacote.
Fiz um comentário uma vez nesse subreddit, fazendo menção ao valor do meu salário. A resposta que eu recebi está na minha barra de favoritos do navegador até hoje: "150 mil para um dev sênior me parece meio baixo, mesmo numa cidade com baixo custo de vida". Então eu mostrei para a pessoa links com a página da minha cidade no levels.fyi, algumas vagas de LinkedIn, apenas constatando que esses 150k são na verdade bem acima da média aqui onde eu moro.
Acontece que as pessoas que sempre trabalharam nas big tech ou nos hubs de tecnologia, tipo Vale do Silício, nem sabem disso. Nesses casos, a remuneração nunca é apenas em dinheiro: normalmente as empresas oferecem um salário em cash, adicionado de uma parte em ações da empresa e talvez mais um bônus anual.
Na mesma época eu salvei também este tweet do grande Hugo Marques, em que ele basicamente diz "menos de 200k é salário de Junior. Pleno ou Sênior chega a 250k-350k fácil". A palavra "fácil" nessa frase me causa mal estar até hoje.
Depois da onda de layoffs e do mercado ter ficado mais morno, eu finalmente voltei a receber mensagens de recrutadores pelo LinkedIn. Semana passada me convidaram para candidatar a uma vaga de tech lead em uma rede de cinemas (cuja sede fica aqui em Kansas City). O salário: $120k anual, sem bônus. Só.
Essa é a realidade da maior parte das pessoas que trabalham com desenvolvimento nos EUA. Quantas empresas podem pagar um salário acima de $200k anual para um programador só? Fora as grandes como Netflix, Meta, Uber, Apple, Google etc, será que mais umas 100 empresas, talvez um pouco mais? As faculdades e bootcamps estão formando milhares de pessoas todo ano e essas pessoas estão indo parar nas empresas de seguros, nos bancos, na logística, no varejo, na indústria. Todo mundo precisa de um app e quase toda empresa a partir de certo tamanho precisa de um departamento interno de desenvolvimento, nem que seja para manter os sistemas internos.
Meu salário total, agora como tech lead numa empresa pequena de tecnologia: ~$165k anual.
Eu não tenho ações nem nenhum tipo de equity como parte do salário. Nunca vi uma empresa local oferecer isso. Com a onda forte de retorno ao presencial, tem sido cada vez mais difícil encontrar empresas de tecnologia (dentro daquelas 100 ou mais) que oferecem vagas remotas. E se você me perguntar, eu já contemplei sim a possibilidade de me realocar para outra região em busca de salários maiores. Mas essa é uma questão muito maior e mais complexa do que apenas o salário das vagas, então vou deixar para outro momento.
Foi urgente, para mim, escrever esse artigo, porque eu sinto que esse “andar de baixo” das vagas de TI nos EUA é muito mal representado, e muitas vezes completamente ignorado. Assim como na thread do Reddit que eu contei meu salário e disse que era comum na minha região, alguém respondeu “cara, isso é terrível”, pelo menos agora eu tenho uma noção muito melhor do abismo que existe entre as faixas salariais daqui e as do “andar de cima”. E eu vou continuar buscando o elevador ou escada que vai me levar ao piso superior.
Não é do meu costume escrever posts em português, essa foi uma exceção. Me siga no LinkedIn para acompanhar os conteúdos que eu posto lá. Abraço!
Posted on August 2, 2023
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